sábado, 16 de abril de 2011

O Acidente


Depois de algumas semanas de trabalho, tudo corria bem, na medida do possivel. Meu dias se seguiam entre aprender espanhol e aprender linguagem de sinais enquanto eu ajudava como voluntaria na classe para deficientes auditivos.
Era para ser um dia comum, era para ser um dia normal, mas nao foi!
Eu demorei muito para escrever sobre o que aconteceu naquela quarta feira triste do mes de abril, mas agora, depois de algum tempo, já consigo pensar no que se passou com mais serenidade.
Cheguei para trabalhar como todos os dias, fizemos as lições, aprendemos palavras novas, chegou a merenda (uma canja) e todos comeram. Saimos para o recreio e todos os alunos foram brincar no barco de madeira - que era como uma gangorra - o brinquedo preferido do playground.
Eu estava há 3 metros do barco, observando tudo, e tudo corria bem. As criancas em pé no barco, segurando nas barras de protecao, tudo acontecia como de habitual.
Em 10 segundos minha sorte mudou. Em 10 segundos tudo se transformou. Um dos alunos empurrou Jean (meu aluninho de 5 anos de idade). Jean caiu com o rosto para o chao e o barco, por inercia passou por cima de sua cabeça e parou em cima dele.

Eu corri! Gritei! Segurei o Barco! Soltei um grito de pavor, medo, dor, tudo junto. Eles nao me ouviram, por que são deficiente auditivos. Aqueles 10 segundos foram eternos e aterrorizantes.
Em cima do Barco ainda haviam 3 criancas, todas chorando. Eu segurei o barco e o levantei com uma mao. Nao sei como, nem sei com qual forca. Só sei que empurrei um barco de madeira com 3 criancas em cima, apenas com uma mao, enquanto com a outra levantei Jean debaixo do barco .
Peguei Jean no colo e logo chegou Miguel, o outro professor, que tomou ele dos meus bracos e correu para a enfermaria precária da escola. As criancas gritavam e choravam. Quando olhei minhas maos, havia sangue nas minhas mãos e na minha calca jeans. A cabeca é uma area muito irrigada e como ele machucou a cabeca, a quantidade de sangue era significativa

Naquele momento não havia tempo para pensar em mim, nos meus medos ou em quanto sangue havia pelas minhas roupas, por que eu tinha mais 10 criancas chorando assustadas em volta de mim me pedindo colo e se comunicando em linguagem de sinais sem parar. Aquelas maozinhas pequenas, mexendo incessantemente, "falando" frases inteiras numa velocidade incompreensivel. Para variar, eu nao conseguia falar em espanhol, e só falava em portugues com os professores (essa coisa de eu esquecer o espanhol sempre que fico nervosa me acompanha em todos os momentos)
Natali agarrou nas minhas pernas e Carlos chorando nos meus bracos e eu.. eu estava tao assustada quanto eles. Mas foi nesse momento, que entendi mais uma vez, o que é o amor. Por que eu me esqueci de mim e dos meus medos e eu era apenas amor para dar para aqueles pequenos que estavam tao assustados com tudo o que havia se passado.

Levamos Jean ao hospital, e foram 12 pontos em sua cabeca. Seu rosto inchou muito devido a queda. Fiquei assustada com a cena. Afinal 12 pontos na cabeca de uma criança de 5 anos, é um corte enorme voces podem imaginar, ne?. Chamamos a mae de Jean à escola. Quando ela chegou tentamos ser o mais serenas possivel para explicar a situacao. A mae de jean comecou a chorar, e lá fomos nós consolar a senhora e explicar que agora estava tudo bem enquanto eu tentava esconder dela, para nao piorar a situacao, as manchas de sangue nas minhas calcas. Voltei para casa, e somente quando sentei na minha cama e pensei em tudo me permiti chorar.

Nao quero desencorajar ninguem a fazer trabalho voluntário com este post. Crianças são imprevisiveis e acidentes acontecem, ainda mais quando se trata de terceiro mundo, a situação é sempre precária. Pensar que tudo o que se encontra pelo caminho do voluntariado são flores é pura ilusão, mas aprender com o caminho é necessário.

Jean ficou 1 semana longe da escola, voltou e está bem, e continua adorando o recreio. A Mae de Jean agora está mais tranquila. O barco do playground foi desmontado. Os brinquedos da escola agora tem proteção reforçada (depois de uma discussao que eu e a professora Gabi tivemos com o diretor da escola, exigindo melhores condições). E eu, eu jamais vou me esquecer daquela quarta feira.

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