terça-feira, 28 de junho de 2016

Votos

Acho que em tantos anos de Blog eu nunca escrevi um post sobre meu caminho no Budismo.Então la vai!

No começo, entre 2004 e 2008.. era tão empolgante ter encontrado um caminho espiritual que fizesse sentido para mim. Que respondesse todas as minhas tantas perguntas sobre a vida, que me desafiasse a tentar me tornar uma pessoa melhor; a me disciplinar à meditar; à vigiar minhas palavras; a não agir por impulso, conhecer monges e monjas e aprender tanto com eles.
No entanto, as pessoas tem uma ideia muito distante do que é "ser budista". Pensam em pessoas muito passivas e pacificas, mas essa ideia é também fruto de desinformação, porque mal sabem elas as tantas deidades iradas que existem no nosso mundo, os monges bravos, as praticas de visualizações, gurus,  retiros em silencio, horas e horas de meditação, jejum, etc, de fácil não tem quase nada! É um mundo por estudar e descobrir, mas claro que a ideia de muitos é que o budista tem que ser um "santo". Só esquecem que a ideia de "santo" vem da igreja católica e da dicotomia de bem e mal que já superamos ( ou deveríamos já ter superado!) há muito tempo na sociedade moderna .
As pessoas se sentem no direito de julgar muito e julgam com base nas crenças delas. Com isso, fui aprendendo a guardar para mim o que era de mais precioso na minha escolha espiritual, e compartilhar apenas com quem me perguntava, com interesse genuíno, para evitar gente me medindo e me avaliando constantemente. Sinto que me preservei, enquanto amadurecia minha pratica espiritual. Não , não sou perfeita, erro um monte..e ter me preservado de tanto julgamento, me ajudou e permitiu que meu caminho espiritual seguisse no tempo certo, hoje tenho certeza disso.
Não escondo de ninguém, até por que ando com um  mala (rosário budista) na bolsa, outro no punho, quem me conhece sabe que regularmente faço retiros.. mas pouco compartilho( fora da Sangha),  sobre o que vivo nesses momentos de retiro. Até que, essa semana, meu professor me pediu para escrever sobre a recente experiência que tive ao tomar meus votos de bodhisatva. De pronto aceitei, mas dai comecei a pensar sobre tudo o que eu já tinha vivido de julgamentos e criticas por expor meu caminho espiritual.. e entendi que a tarefa era mais difícil do que eu imaginei a princípio. Que me expor, e expor informações sobre minha linhagem budista, sempre requer cautela e cuidado, para evitar palavras distorcidas ou julgamentos mal-intencionados. Seria uma oportunidade para eu encontrar a linha tênue que permite falar do Dharma e dos rituais budistas, com o respeito e o cuidado que merecem.
Bom ... vamos lá.
Sou muito afortunada por ter vindo morar em Nova York; e estar tão perto do monastério principal da linhagem Karma Kagyu do Budismo Tibetano. Isso me permite estar perto do Khenpo Kartha Rimpoche e poder ouvir os ensinamentos diretamente dxs lamas e monges que visitam o monastério e a comunidade tibetana que fica aqui.
Há alguns meses, vi na programação do monastério que o Rimpoche daria o voto longo de bodhisatva, e ai meu coração gelou! pensei, é a minha oportunidade de renovar meu compromisso! Nós budistas sempre tomamos uma versão reduzida do voto quando tem algum empoderamento, mas a versão longa. wow! mil perguntas surgiram. será que estou preparada? será que vou conseguir?  quais as consequências, quais os compromissos? e como tudo no Budismo.. lá fui eu estudar! Dentro de mim a certeza de que não tinha passo para trás eu ia tomar o voto longo. 
Algumas semanas depois dessa decisão, fui fazer um retiro de Cherenzik (buda da compaixão). Ao final do retiro, marquei uma entrevista com o Khenpo Karma Tonglen que é presidente do monastério, querendo contar para ele da minha inquietação com o voto longo de Bodhissatva, e pedir conselhos. Entro na sala, e na hora que ele olha pra mim, eu caio em lágrimas e não consigo dizer nada. Ele me abraça, dai abre uma gaveta, pega um papel com um desenho em tibetano com um quadro sobre como meditar nas 6 Paramitas, um colarzinho do Karmapa, e me diz .. "continua praticando, estudando, não esquece do caminho do amor e da compaixão e tudo estará bem para o voto." Alguns monges são tão sensíveis que as vezes a gente não precisa falar muito, eles entendem, e com o Khenpo Karma é assim!

Algumas semanas depois, uma amiga da Sangha comenta que um importante monge tibetano vem para Nova York  para dar uma semana de ensinamentos, e no ultimo dia falaria sobre os 37 passos do caminho do Bodhisatva. Eu pensei: ótima oportunidade para eu me preparar! Fui a quase todos os dias nas palestras do monge, uma semana inteira, saia correndo do escritório pegava uma hora de metro lotado para chegar em flushing, no Queens; sentava lá, tomava notas, super focada! No ultimo dia, no dia dos ensinamentos que eu queria, o monge resolveu só falar em tibetano e o tradutor não foi. Resultado, não consegui entender nada!! Nem eu e nem ninguém, além dos tibetanos que estavam lá. Pensei.. que engraçada essa vida, testando minhas escolhas, mas bora lá que eu to firme aqui! Vou continuar estudando sozinha, e com a ajuda do Lama Tartchin. O Budismo tem dessas.. testa nossa resiliência o tempo todo!

Chegou o dia do retiro! Pedi folga do escritório para poder ir mais cedo para o monastério, arrumei a mala, e claro.. tudo começou a dar errado (é sempre assim comigo antes de retiro, já to acostumada). Chefa liga antes de eu sair de casa, pedindo umas coisas urgentes e eu me atraso; dai o metro tb atrasou;  cheguei pra comprar o ticket na rodoviária e tinha uma fila imensa - e o relógio comendo os minutos na velocidade da luz! aiiii! Ônibus quase partindo, eu entro esbaforida. ufa! deu tempo! Ai sim! minha sorte começando a mudar.  Bodhissatva vows.. here we go!

Cheguei ao monastério e uma amiga tinha separado um pouco de sopa para quem tava chegando
em cima da hora. A cozinha do monastério da KTD, me lembra a cozinha da minha vó, tem umas regras de horário e limpeza, que todo mundo segue, mas...se vc tiver com fome, SEMPRE tem alguém disposto a te ajudar a encontrar uma sopinha, fazer um chazinho...humm! Na verdade, depois da sessão da sexta a noite, que termina por volta de 9 horas, a gente faz fila na frente da torradeira, esperando a hora de esquentar um pãozinho e tomar um chá antes de dormir. Uma boa conversa sempre acompanha esse momento, as vezes os monges resolvem compartilhar historias que viveram nos retiros, sempre um momento de aprendizado para mim. Dessa vez, um dos nossos assuntos era como uma mulher faz com algumas questões medicas (e ginecológicas) durante um retiro longo. Sim..esse era nosso papo! Se vc esta pensando que é esquisito.. pode desfazer seu julgamento bem rápido! Eu achei que foi muito esclarecedor, e de uma generosidade tamanha da monja que compartilhou com a gente as experiências dela. Afinal, conhecimento que empodera e desmistifica alguns tabus é sempre importante.
Fui deitar, no dormitório, banheiro coletivo, enfim.. esquema de retiro, que já estou acostumada (e adoro), afinal.. quer luxo vai pro hotel, né. No monastério não tem luxo, mas as camas são sempre quentinhas e os lençóis aconchegantes. Deitei e tive uma batalha com minha rinite e com meus pensamentos sobre os votos, e só consegui dormir as 2am. Importante dizer que trancam o monastério as 10pm então depois desse horário ninguém entra e ninguém sai, e as 7am começam as primeiras preces, a disciplina é seria no monastério.
Sábado recebi um pedido especial do tradutor oficial do Rimpoche. Ele soube que eu falava espanhol fluentemente e pediu que eu apoiasse uma monja que não falava bem ingles, e também que passasse minhas anotações das aulas para ela ( opaaaa... quais anotações? eu tão atribulada de trabalho e na correria para ir, nem tinha levado caderno!) mas quando um monge te dá uma tarefa tão importante como essa, como dizer não?! Desafio aceito, virei tradutora da monja! Lá fui eu arrumar caderno e caneta com o pessoal da recepção e começa a saga q transformaria meu retiro. Anotar TODAS ( eu disse todas) as instruções do voto de bodhisatva e depois passar para o espanhol para a monja poder ler. No fim das contas, isso me ajudou tanto, que eu nem podia imaginar a beleza dessa tarefa no momento que a aceitei.
Acabei prestando o dobro de atenção aos ensinamentos ( por que tinha que anotar tudo), estudando por tabela, ao transcrever para o espanhol, e não tive tempo sobrando para ficar de caramiolas ou duvidas sobre minha decisão de tomar o voto. Por que sim.. as duvidas são muito comuns (e normais). Algumas pessoas decidiram não tomar o voto, e outras saíram de lá com o voto feito e um monte de preocupações de como manter o voto. Os ensinamentos antes e depois do voto são tão sérios e profundos, com técnicas, regras, etc.. que de simples não tem nada. É trabalho duro, para nós e para o Rimpoche que tem que explicar tudo e tirar duvidas, mas ele faz tudo sorrindo e meu coração se enche de amor.
O lance da tradução também me fez dar boas risadas, meus amigos do retiro ficavam rindo de mim, porque enqto todo mundo tava lendo, ou batendo papo eu tava pra cima e pra baixo com papeis e anotações passando a limpo. A monja me chamou para conversar (em espanhol) e me deu ensinamentos preciosos, que vou guardar para sempre. Enfim.. gratidão pela tarefa que me foi entregue e sensação de dever cumprido!
A cerimônia e o voto aconteceram de maneira muito intensa: todas as repetições em tibetano, cansaço da noite mal dormida, intelectualmente exausta com todas as anotações e traduções, mantras, regras, meus joelhos doíam , pernas formigando.. completei as etapas do voto. Ufa! Caio em lágrimas, e chorando copiosamente e quietinha no meu canto.. logo vem a Lama Nyima sentar do meu lado e cuidar de mim. O trabalho dos monges e monjas no monastério é algo incrível, como eles cuidam de todos nós, com tanto amor, que contando em apenas palavras não faço jus ao tamanho do carinho que tenho por eles. 
Ao final do retiro (e do voto) todos vão receber um novo nome. estamos em fila, chegando minha vez começo a pensar em qual seria meu novo nome?será que seria bonito? será que vai ser uma lição ou um destino?.. chegou minha vez, peço a bênção ao Rimpoche e começo a tremer inteira, tremendo dos pés a cabeça e com os olhos cheios de lágrimas peguei o  papelzinho, agradeci e sem muita coragem de olhar o que estava ali, logo sinto alguém me pegando pelo braço, era uma monja me dando parabéns pela nova etapa (porque o voto de bodhissatva é algo bem importante no caminho budista, digno de comemoração). Abracei ela, ainda tremendo de emoção, e fui me sentar. Abri o papelzinho e lá estava meu nome e a marca de um novo começo. Olho para o nome, leio a tradução e começo a rir sozinha. Como é bom rir, né! Um nome que amei, um significado que fazia todo sentido, um recado que eu saberia que receberia em algum momento, fiquem curiosos, porque esse vou guardar para mim.

Que bom que só agora depois de tantos anos de aprendizado, tomei o voto. Que bom que pude tomar o voto com o Rimpoche, que bom que foi aqui no monastério, que bom que tinha sol! Meu coração cheio de gratidão...e que bom que foi nesse momento da minha vida!
 Hora de relaxar.. fui pegar um livro na biblioteca e lá vem mais um recadinho da vida.. justo o livro da Tenzin Palmo cai na minha mão! A historia da mulher que decidiu enfrentar todas as questões de gênero e foi reconhecida por empenhar esforços em promover o status das praticantes do sexo feminino no Budismo Tibetano, mais uma vez começo a rir sozinha e pensar.. ok, ok, já entendi o recado.
Agora era hora de fazer as malas e descer da montanha, voltar para casa com meu novo livro embaixo do braço e todas as minhas anotações, emoções e intuições para começar a colocar em pratica mais um pedacinho dessa  vida que escolhi.
OM Mani Padme Hum.



domingo, 26 de junho de 2016

Sobre ser de algum lugar..

Há muito tempo me considero cidadã do mundo, de todos os lugares que já viví levo um pouco e isso foi aos poucos construindo essa colcha de retalhos que me compõe.
No papel, tenho dupla cidadania, e portanto desfruto desse interessante privilegio de poder dizer que sou daqui ou que sou de lá. Privilegio que nada conforta na verdade, porque, podendo escolher, o questionamento dentro da gente é inevitável.
Tem muita coisa boa e ruim no Brasil.. reconheço e não sou dessas que endeusa o país depois que já não mora mais nele. No entanto, é engraçado perceber-me brasileira em pequenos gestos e manias,  e consequentemente reconhecer esses traços nos outros quando você está longe de casa. 


Explico. há alguns meses fui ao show do Yamandu Costa, aqui em Nova York, plateia lotada, ele entra, aplausos, e devagarzinho ele pega o violão, começa a tocar, de repente, totalmente inesperado, colocou uma perna sobre a outra, e as duas sobre a cadeira enquanto tocava, como se estivesse no sofá de casa (mas na verdade estava diante de umas mil pessoas, num teatro renomado da capital do mundo). A plateia reagiu com graça, àquela graça e despojamento do musico. Eu pensei.. que linda a brasilidade, é tão despojado e informal como quase todos nós somos, mesmo sem que percebamos.
A lógica é simples: o violão é o instrumento dele. ele toca por horas e horas todos os dias. Porque ele teria que ficar em freeze e todo certinho diante da plateia? Se estiver com vontade de colocar a perna na cadeira, ele vai colocar, ué! porque não? Porque somos assim.. somos informais, somos barulhentos, somos sensíveis, gostamos de pegar, encostar, pedir, amar, beijar, abraçar.
Porque não temos a rigidez de nos preocuparmos em manter uma barreira, nós nos espaçamos, nos espreguiçamos, com espaço, ou mesmo sem espaço. somos intensos e dramáticos.
Essa informalidade eh libertadora em muitos sentidos, permite que os movimentos sociais sigam se expressando, que o amor nasça de maneira inesperada num simples olhar, mas não podemos negar que gera também uns probleminhas ( não no caso do yamandu, mas num outro tipo de recorte social).

Esse jeito brasileiro dá espaço para uma gente genuinamente maravilhosa e sensível se destacar. Esses dias entrei no metro e ao ouvir algo que parecia uma bossa, fui logo procurar de onde vinha a musica. To esperando meu trem chegar, mas não me contive, e sem que percebesse eu tava timidamente dançando um pouquinho, obviamente o musico me reconheceu brasileira, assim como eu o reconheci brasileiro. Sorrimos, e o trem chegou. É simples assim, não precisa de muitas palavras. Num outro dia, to caminhando pelo bairro e vejo um grafiteiro na rua, pintando um muro enorme e todo colorido, olho de novo e a bandeirinha do Brasil bem embaixo da assinatura da obra.. sabia. Brasileiro! e assim um sem fim de exemplos..

Fui ao show do Caetano e Gil aqui em Nova York,  e a cada letra que cantavam me doía no peito , fosse de orgulho do meu pais, fosse por que aquelas musicas falavam de uma dor q só a gente sabe como é sentir.  Era fácil distinguir os brasileiros entre toda a plateia.. os Brasileiros cantavam junto, suspiravam, sofriam, choravam de emoção com cada musica, enquanto os outros todos apreciavam o show 'normalmente'. Uma amiga americana que estava comigo no show disse: nossa, como é intenso e caloroso, né? .... e eu respondi " é, é bem Brasileiro na verdade"

E é por sentir assim, tão a flor da pele, que "ate beijo de novela me faz chorar".. é por sentir assim tão a flor da pele, que a generosidade é parte, e o sorriso é solto.
Por essas e tantas outras coisas.. mesmo que eu tenha o privilegio da escolha, quando me perguntam de onde sou, eu não tenho nenhuma duvida ao dizer que sou Brasileira, sou latina, sou feminista, sou mulher, sou livre!  

Sorrimos com os olhos..e com todos esses sorrisos sigo meu caminho. 

sábado, 11 de junho de 2016

The Rubin Museum

New York tem museus de todos os tipos e para todas as coisas. O rubin museum, no entanto, eh uma obra rara de delicadeza e arte e ao mesmo tempo vibrante!

As exposicoes sobre arte asiatica, sobretudo dos himalayas, arte hinduista e budista. A historia de seculos e seculos da minha religiao.. coisas que so na asia eu veria, estao la, para minha alegria!
Uma livraria cheia de opcoes de livros incriveis para qualquer budista morrer de amor.


O legal eh que esse museu tem tambem um lounge/restaurante no primeiro andar que fica aberto com entrada gratuitas as sextas feiras, boa musica e voce ainda pode ir nos tours guiados do museu sem pagar.

Bom, alem de museu, livraria, restaurante, e arte... tem palestras e exibicoes de filmes a precos super razoaveis.  

Com tudo isso.. o rubin museum tem se tornado um dos meus refugios preferidos para o happy hour da sexta feria. Se vierem a NY , sugiro a visita!



as escadarias sao lindas,uma obra de arte por si so.